Você já ouviu falar do Nego Catra? Se não, tá na hora de conhecer Afonso Bispo Jr., um cara que já cruzou o Brasil, colecionou prêmios, enfrentou críticas e arrancou aplausos. Ele é um artista com uma trajetória única: saiu do universo do pornô, onde aprendeu a performar com uma verdade que vem de dentro, e agora brilha no teatro, dando vida a personagens que carregam dor, luta e poesia. No palco, ele não finge — ele vive. É grito, é silêncio, é cura. E, acima de tudo, é uma voz que ecoa forte e que o Brasil precisa ouvir.
Afonso não é só um apelido famoso ou um rosto marcante. Ele é um corpo em constante movimento, um artista que transforma cada pedaço da sua história em arte. No pornô, ele não era apenas mais um em cena. Ele trouxe algo diferente: performance com afeto, cuidado e respeito. “No pornô, não era só mostrar o corpo. Era performance com verdade, afeto, respeito. Aprendi com diretores incríveis que sexo é cuidado, é entrega. Isso me fez entender o que carrego na pele e no sangue”, conta. Essa visão mudou tudo pra ele. Trabalhar com diretores e diretoras renomados do cinema adulto o ensinou a valorizar o próprio corpo e o do outro, a ouvir, a se conectar. Não era só sexo cru, era uma troca profunda. E essa lição ele levou pro teatro, onde ela ganhou novos contornos.
Uma virada que mudou tudo
A história de Afonso no teatro começou com um momento que ele nunca esquece. Na oficina Versão de mim, ele subiu ao palco pra contar sua própria história. Não era uma personagem fictícia, era ele mesmo, cru, vulnerável, de peito aberto. A plateia ficou em silêncio — não aquele silêncio desconfortável, mas um silêncio que pesa, que escuta, que sente junto. “Eu senti que ali era meu lugar. Não era só atuar, era viver”, ele diz. Esse momento foi como acender uma faísca. O diretor Nelson Baskerville, um dos grandes nomes do teatro contemporâneo, viu o brilho de Afonso e o convidou pra fazer parte do elenco de apoio da montagem de Bonitinha, mas ordinária, de Nelson Rodrigues. Entre luzes, vozes e muito suor, Afonso sentiu o palco chamar de verdade. E, desde então, não largou mais.

Essa mudança não foi só uma troca de profissão. Foi uma reinvenção completa. Afonso trouxe pro teatro a mesma intensidade que ele tinha nas telas, mas com um propósito novo, mais profundo. “No pornô, eu performava com verdade. No teatro, eu performo com alma. É diferente, mas vem do mesmo lugar: do desejo de ser honesto com quem eu sou”, explica. Esse compromisso com a autenticidade é o que guia cada escolha dele agora, cada passo que dá.
Um mergulho nas profundezas de Nelson Rodrigues
Hoje, Afonso tá mergulhado de cabeça num projeto que é tão desafiador quanto transformador: a oficina 17 vezes Nelson Rodrigues, oferecida pela Inbox Cultural, um centro cultural-escola que trabalha com audiovisual, artes cênicas e literatura, com sedes em São Paulo, Rio de Janeiro e também no formato online. São três meses intensos, um verdadeiro mergulho nas 17 peças de Nelson Rodrigues, o dramaturgo que jogou na cara do Brasil suas tragédias familiares, seus tabus e suas verdades mais difíceis de engolir. É um trabalho que exige tudo: corpo, alma, coragem. O elenco, formado por 20 artistas, se joga de cabeça, disposto a sangrar em cena com verdade e poesia.
Afonso interpreta dois personagens que são como facas no peito. O primeiro é Boca de Ouro, o bicheiro de Madureira, criado na gafieira do Jacarezinho — ou, como ele gosta de dizer, dos “Imperadores da Floresta”. Boca é um homem moldado pelas ruas, com uma mistura de força bruta e sonhos que não cabem no mundo. Ele quer ter a boca toda de ouro, um símbolo de poder, mas carrega também a fragilidade de quem sonha grande num lugar que tenta te esmagar. “Boca de Ouro é bruto, mas tem uma beleza nos desejos dele. Ele é a rua, é a luta, é o sonho que não desiste”, reflete Afonso.
O segundo papel é ainda mais pesado: Ismael, da peça Anjo negro. Ismael é um homem preto que nega sua própria negritude, casado com uma mulher branca que rejeita os filhos por causa da cor do pai. É um personagem que escancara o racismo estrutural, o auto-ódio e a tragédia de apagar a própria identidade. Pra Afonso, interpretar Ismael é como abrir uma ferida que nunca cicatriza completamente. “Fazer Ismael é como mexer numa dor ancestral. Já quis esconder minha cor pra ser aceito. Já senti na pele esse desejo de apagar quem eu sou. O teatro me deu orgulho de volta. Me reconectou”, diz. Esse papel não é só atuação, é uma jornada pessoal. É Afonso enfrentando seus próprios demônios e transformando essa dor em algo que pulsa no palco.
O palco como espaço de cura

O teatro, pra Afonso, é mais do que um palco. É um lugar de cura, de reconexão, de encontrar a si mesmo. Ele não veio de uma escola de elite, nem de um caminho pavimentado. Veio da rua, da luta, da vida. Cada passo que ele dá no teatro é uma conquista, uma prova de que é possível se reinventar. “Não é fácil. É corpo, alma, sangue, tempo. Mas eu sigo. Porque o palco é onde minha verdade encontra voz”, ele diz. E essa voz é potente, necessária, impossível de ignorar.
O que faz Afonso Bispo Jr. tão único é a forma como ele abraça todas as partes da sua história. Ele não separa o Nego Catra do Afonso artista. Ele junta tudo — o passado, o presente, as cicatrizes, os sonhos — e transforma em arte. No pornô, ele aprendeu a performar com cuidado e respeito. No teatro, ele aprendeu a gritar, a silenciar, a sentir de verdade. “O teatro me ensinou a respirar melhor. Intensidade não é só grito. Às vezes, é silêncio, é olhar. Hoje, me respeito mais. Meu corpo é político, potente, poético. E agora, é teatral”, reflete.
Um convite pra sentir junto
Se você quer sentir o peso e a beleza dessa transformação, não pode perder as apresentações de 17 vezes Nelson Rodrigues. É uma chance de ver Afonso e um elenco incrível dando vida às histórias que Nelson Rodrigues escreveu com tanta coragem. É uma oportunidade de se emocionar, de pensar, de se conectar com as verdades que o Brasil ainda precisa encarar. “Essa montagem é pra te fazer sentir. Pensar. Chorar. É pra te tirar do lugar comum”, promete Afonso.
A trajetória de Afonso é uma lição de que a arte não tem um único caminho. Ela pode vir da rua, do suor, da luta. Pode vir de lugares que a sociedade aponta o dedo, mas que carregam verdades que não dá pra ignorar. Ele não nega seu passado, ele o carrega com orgulho. E é isso que o faz tão autêntico. “Eu não vim pra fingir. Vim pra ser. No pornô, no teatro, na vida. É tudo sobre ser verdadeiro”, diz.
Então, bora pro teatro? Pegue seu ingresso, escolha um dia e venha sentir a força de um artista que transformou o pornô em palco, a dor em cura, e a vida em arte. Afonso Bispo Jr. é mais do que um artista. Ele é resistência, reinvenção, verdade. E no palco, ele te convida a viver isso tudo com ele.
Serviço
- O quê: 17 vezes Nelson Rodrigues
- Quando: 26, 27, 28 e 29 de junho de 2025
- Horários: quintas e sábados às 20h, domingos às 18h
- Onde: Espaço Barra (Barra Funda, São Paulo)